Caso Taman Shud Fonte: Wikipédia |
É considerado um dos "mistérios mais profundos da Austrália", o caso foi tema de intensas especulações a respeito da identidade da vítima, os eventos que levaram à sua morte e o que o teria matado.
Apesar das investigações terem sido centradas na Austrália, os mistérios envolvendo o caso acabaram atraindo atenção internacional para o crime.
De acordo com o patologista Sir. John Burton Cleland, o homem, de aparência "britânica", teria entre 40 e 45 anos de idade, estando em perfeitas condições físicas. Media 1,80m de altura, tinha olhos castanhos claros, cabelo claro de coloração ruiva e ligeiramente grisalho em torno das têmporas, tinha ombros largos, cintura estreita, mãos e unhas sem sinais de trabalhos manuais, primeiro e quinto dedos dos pés em formato triangular, como os de um bailarino ou agricultor (devido aos calçados) e músculos da panturrilha definidos como os de um bailarino, um traço predominantemente genético as desenvolvido também por maratonistas.
Encontrava-se vestido com uma camisa branca, gravata vermelha e azul, calças castanhas, meias, sapatos e, embora o clima estivesse quente durante o dia e a noite, tinha também um suéter tricotado castanho e um casaco cinza e castanho ao estilo europeu.
Nenhuma das suas peças de roupa traziam etiquetas e ele também não usava chapéu, facto incomum em 1948, especialmente para alguém vestido como ele estava.
Encontrava-se barbeado e sem marcas de nascença ou cicatrizes, não tinha nenhum documento de identidade, o que levou a polícia a acreditar inicialmente que seria um caso de suicídio. A sua arcada dentária não bateu com nenhum registo analisado.
Quando os policias chegaram ao local do crime, perceberam que o corpo não tinha sido mexido e que o braço esquerdo do homem estava em posição reta, e o direito dobrado. Um cigarro não aceso estava atrás da sua orelha, enquanto outro fumado pela metade estava no colarinho direito do casaco.
Nos seus bolsos encontraram um bilhete de autocarro de Adelaide para St. Leonards em Glenelg, um subúrbio da cidade, e um bilhete de segunda-classe e não utilizado de comboio de Adelaide para o subúrbio de Henley Beach, e mais um pente americano de alumínio, um pacote pela metade de pastilhas Juicy Fruit, um pacote de cigarros Army Club com cigarros Kensitas, ou seja de uma marca diferente, e uma caixa de fósforos Bryant & May. A paragem de autocarro relacionada ao bilhete usado localizava-se a 250 metros ao sul do lugar onde o corpo foi encontrado.
Apresentaram-se testemunhas para declarar que na noite de 30 de novembro avistaram um indivíduo de aparência semelhante parado no mesmo local, próximo à instituição Crippled Children's Home onde o corpo foi posteriormente encontrado.
Um casal o viu às 7 horas da noite e reparou que o homem esticou o braço direito, deixando-o cair de forma frouxa.
Outro casal que o viu entre as 7h30 e as 8 horas da noite, horário em que os postes de iluminação ainda estavam acesos, afirmou não ter notado o homem se mexer durante todo o tempo em que estivera no seu campo de visão, embora tivessem a impressão de que a sua posição possa ter mudado. Apesar de comentar entre si que o homem talvez estivesse morto por não reagir aos mosquitos que o rodeavam, o último casal pensou que poderia estar bêbado ou apenas a dormir, e sendo assim decidiram não tomar qualquer atitude a seu respeito.
Quando o corpo foi descoberto na manhã seguinte, permanecia na mesma posição observada pelas testemunhas na noite anterior.
Foi realizada uma autópsia, onde se concluiu que a hora da morte foi por volta das 2 horas da manhã do dia 1 de dezembro. Conseguiu-se identificar a última refeição que fora um pastel assado consumido três a quatro horas antes da sua morte e não apresentava qualquer substância estranha no seu organismo. Embora o envenenamento tenha permanecido como principal suspeita, chegou-se à conclusão de que o pastel não foi a fonte do veneno.
A Scotland Yard foi chamada para ajudar no caso, alcançando resultados mínimos, e apesar de uma fotografia do homem e a sua impressão digital circularem ao redor do mundo, nunca se chegou a uma identificação positiva.
Devido à não-identificação, o cadáver foi embalsamado a 10 de dezembro de 1948, o primeiro registo da realização de tal procedimento na história da polícia australiana.
Os dois jornais diários de Adelaide - The Avertiser e The News - cobriram o caso de maneira distinta.
O Advertiser mencionou a morte pela primeira vez num pequeno artigo na edição do dia 2 de dezembro de 1948, intitulado "Corpo encontrado na Praia", no texto dizia: "Um corpo, que acredita-se ser de E.C. Johnson, de aproximadamente 45 anos, da Rua Arthur, Payneham, foi encontrado na Praia de Somerton, defronte ao Crippled Children's Home na manhã de ontem. A descoberta foi feita pelo sr. J. Lyons, da Estada Whyte, Somerton. Os detetives H. Strangway e Constable J. Moss estão a investigar."
O News apresentou a história na sua primeira página, divulgando mais detalhes sobre o cadáver.
A 3 de dezembro, E. C. Johnson foi descartado como suspeito, pois apresentou-se no posto da policia para se identificar. No mesmo dia, o News publicou na sua primeira página uma fotografia do morto, o que levou a mais denúncias sobre a possível identidade do homem.
No dia seguinte, a polícia anunciou que as digitais do morto não constavam nos seus registos, o que forçou a expansão das investigações.
No dia 5 de dezembro, o Advertiser divulgou que a polícia estaria a pesquisar registos militares à procura de um homem que supostamente teria bebido com outro de aparência semelhante ao do morto num hotel em Glenelg no dia 30 de novembro. Durante o seu encontro, o homem misterioso teria apresentado um carão de reforma militar que trazia o nome "Solomonson".
Algumas tentativas de identificar o corpo foram realizadas, incluindo uma no começo de janeiro de 1949 quando duas pessoas o identificaram como sendo o ex-lenhador Robert Walsh, de 63 anos. A polícia respondeu com ceticismo, acreditando que Walsh seria velho demais para ser o morto, afirmando no entanto que o corpo seria consistente com o de um antigo lenhador, embora o estado das suas mãos indicassem que ele não cortava madeira há pelo menos 18 meses.
Quaisquer possibilidades de que uma identificação positiva tinha sido realizada foram descartadas no entanto quando Elizabeth Thompson, uma das senhoras que tinha indicado o corpo como sendo de Robert Walsh, retirou o seu testemunho após ver o cadáver pela segunda vez, verificando a ausência de uma cicatriz em particular, assim como o tamanho das pernas do morto, tornava improvável que aquele fosse mesmo Walsh.
No princípio de fevereiro de 1949, havia pelo menos oito diferentes identificações "positivas" do morto, incluindo dois homens de Darwin que acreditavam que o corpo era de um amigo deles, um ajudante de estábulo desaparecido, um funcionário de um navio a vapor e um sueco.
O caso sofreu uma reviravolta quando, a 14 de janeiro de 1949, funcionários da Estação Ferroviária de Adelaide descobriram uma mala castanha com a etiqueta removida, que tinha sido colocada no guarda-bagagens da estação por volta das 11 horas da manhã do dia 30 de novembro de 1948.
Os investigadores apresentarem a mala encontrada Fonte: Wikipédia |
Também encontraram na mala a embalagem de uma linha de costura laranja, um "tipo incomum" similar ao utilizado para remendar um dos bolsos das calças que o morto vestia. Todas as marcas de identificação nas peças de roupa tinham sido retiradas, mas a polícia encontrou o nome "T. Keane" numa gravata, "Keane" num saco de lavanderia e "Kean" numa camiseta, juntamente com três marcas de lavagem a seco.
Os investigadores chegaram à conclusão de que a pessoa que removeu as etiquetas deixara propositadamente o nome Keane nas roupas, sabendo que ele não poderia levar à identificação do seu proprietário.
Neste primeiro momento, no entanto, as roupas foram rastreadas até um marinheiro local, Tom Keane. Como ele não foi localizado, alguns dos seus colegas do navio foram até ao necrotério ver o cadáver, negando categoricamente que aquele era Keane ou que as roupas na mala pertenceriam a ele.
Uma busca concluiu que não havia outro T. Keane desaparecido em quaisquer outros países de língua inglesa.
A policia verificou os registos ferroviários e chegaram à conclusão de que o homem desembarcou de um comboio noturno que teria partido de Melbourne, Sydney ou Port Augusta.
A policia acreditava que o homem teria se barbeado e tomado banho no prédio vizinho do chuveiro público municipal antes de voltar à estação para comprar um bilhete para o comboio às 10h50 da manhã para Henley Beach que, por alguma razão, ele perdeu ou decidiu não apanhar. Após voltar do chuveiro público, deixou a sua mala no guarda-bagagens, apanhando o autocarro para Glenelg.
O patologista investigador Sir. John Burton Cleland reexaminou o cadáver e fez diversas descobertas.Notou que os sapatos do homem estavam consideravelmente limpos e pareciam ter sido engraxados recentemente, ao contrário do estado esperado dos sapatos de um homem que aparentemente ficou vagando por Glenelg o dia inteiro.
Acrescentou que esta evidência se encaixava na teoria de que o corpo pode ter sido levado para a praia de Somerton após a morte do homem, levando em consideração a falta de evidências de vómito e convulsões, os dois efeitos principais de envenenamento.
Foi encontrado num compartimento secreto disfarçado no bolso das calças do homem um bilhete com as palavras "Taman Shud". Oficiais da biblioteca pública foram convocados para traduzir a nota, identificando-a como uma frase, de significado "fim" ou "terminado", encontrada na última página da coleção de poemas Rubaiyat, de Omar Khayyãm.
Anotações do hoem de Somerton feitas a lápis nas costas do livro de Omar Khayyãm, presume-se que as letras formem uma espécie de código Fonte: Wikipédia |
Uma fotografia do pedaço de papel foi enviada então para departamentos de polícia interestadual e divulgada ao público, levando uma pessoa a revelar que havia encontrado uma rara primeira edição de Rubaiyat traduzida por Edward FitzGerald e publicada na Nova Zelândia pela Whitcombe and Tombs, no assento traseiro do seu automóvel, que se encontrava estacionado destrancado em Glenalg, na noite de 30 de novembro de 1948.
Esta pessoa não sabia da conexão do livro com o caso até ver o artigo no jornal do dia anterior, e a sua identidade e profissão foram mantidos em segredo pela corte, assim como as razões que levaram a esta supressão.
O livro não trazia as palavras "Tamn Shud" na última página, cujo verso estava em branco, e exames de microscopia indicaram que esta página específica tinha sido arrancada.
Um número de telefone que não constava no catálogo também foi encontrado nas costas do livro. O número pertencia a uma ex-enfermeira que morava na Rua Moseley em Glenelg, situada a 800 metros do local onde o corpo foi encontrado.
A mulher declarou que, enquanto trabalhava no Royal North Shore Hospital em Sydney durante a Segunda Guerra Mundial, era dona de uma cópia do Rubaiyat, mas que em 1945, no Cliffon Gardens Hotel em Sydney, deu-a de presente a um tenente do exército chamado Alfred Boxall, que servia então na Secção de Transporte de Água do Exército da Austrália.
De acordo com informações divulgadas pela imprensa, a mulher afirmou que depois da guerra mudou-se para Melbourne e casou-se. Tempos depois ela teria recebido uma carta de Boxall, mas respondeu-lhe que já se tinha casado. Ela acrescentou ainda que no final de 1948 um homem misterioso perguntara ao seu vizinho de porta informações sobre ela. Tendo como base o molde em gesso feito da cabeça até os ombros do cadáver, ela não foi capaz de o identificar como sendo Boxall.
A policia ainda assim acreditou que o morto fosse Boxall, até encontrá-lo vivo e com a sua cópia do Rubaiyat, completa com o "Taman Shud" na última página. Boxall agora trabalhava no setor de manutenção do Depósito de Autocarros de Randwick e não fazia ideia da ligação entre ele e o homem morto.
Após o inquérito, foi feito um molde em gesso da cabeça e ombros do homem (o mesmo que foi apresentado à ex-enfermeira) e ele foi então sepultado no cemitério West Terrace em Adelaide.
Os serviços fúnebres foram conduzidos pelo Exército de Salvação, e a The South Australian Grandstand Bookmakers Association arcou com as despesas para evitar que o homem fosse enterrado como indigente.
Anos depois do seu enterro, flores começaram a ser depositadas sobre o seu túmulo. A polícia questionou uma mulher vista a deixar o cemitério, mas ela negou que soubesse qualquer coisa sobre o homem.
Na mesma época, uma rececionista do Strathmore Hotel, que ficava em frente à Estação Ferroviária de Adelaide, revelou que um estranho tinha-se hospedado lá, no quarto 21 no mesmo período da morte, deixando o hotel a 30 de novembro de 1948. Ela lembrou-se que as funcionárias encontraram no quarto uma caixa médica preta e uma seringa hipodérmica.
O caso ainda é considerado "aberto" pela Força Tarefa Criminal da Polícia do Sul da Austrália e o busto, contendo fibras capilares do homem é conservado até hoje pela Sociedade Histórica da Polícia do Sul da Austrália. Tentativas posteriores de identificar corretamente o corpo foram atrapalhadas pelo facto de o gormaldeido utilizado no embalsamento ter destruído grande parte do ADN, além do desaparecimento de evidências chave como a mala castanha, destruída em 1986, e vários depoimentos, que desapareceram dos arquivos da polícia com o passar dos anos.
Molde em gesso do homem de Somerton Fonte: Wikipédia |
Funeral do homem de Somerton Fonte: Wikipédia |
Na mesma época, uma rececionista do Strathmore Hotel, que ficava em frente à Estação Ferroviária de Adelaide, revelou que um estranho tinha-se hospedado lá, no quarto 21 no mesmo período da morte, deixando o hotel a 30 de novembro de 1948. Ela lembrou-se que as funcionárias encontraram no quarto uma caixa médica preta e uma seringa hipodérmica.
O caso ainda é considerado "aberto" pela Força Tarefa Criminal da Polícia do Sul da Austrália e o busto, contendo fibras capilares do homem é conservado até hoje pela Sociedade Histórica da Polícia do Sul da Austrália. Tentativas posteriores de identificar corretamente o corpo foram atrapalhadas pelo facto de o gormaldeido utilizado no embalsamento ter destruído grande parte do ADN, além do desaparecimento de evidências chave como a mala castanha, destruída em 1986, e vários depoimentos, que desapareceram dos arquivos da polícia com o passar dos anos.
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